Em FilmeFobia(Brasil), o cineasta Kiko Goiffman coloca pessoas fóbicas diante de seus piores medos..
A fóbica de ralo não consegue escapar do objeto de sua angústia em cena de FilmeFobia
Reação física
Em primeira mão, Goiffman apresentou à Trip algumas seqüências de FilmeFobia – que acaba de ser finalizado e começará a rodar o circuito de festivais nacionais e internacionais, antes de estrear comercialmente no ano que vem. A partir do primeiro impacto das imagens, é possível fazer algumas observações:
1. Poucos filmes são capazes de despertar reações tão físicas no espectador quanto FilmeFobia, obrigando-o a compartilhar a angústia, o asco ou o terror sentidos ou representados pelos personagens.
2. O embaralhamento entre realidade e ficção funciona perfeitamente, a ponto de ficar muito difícil saber se um personagem está sofrendo ou representando. Mas é possível afirmar com segurança que os desmaios de Goiffman foram reais. Em uma das seqüências do filme, Bernardet mostra algumas cenas em um monitor a Zé do Caixão (sim, o personagem, não o criador, José Mojica Marins) para avaliar a “atuação” dos participantes. Ele aprova o desempenho de Goiffman (“parece que ele foi estuprado por um bando de negões”), mas reprova o fóbico de ratos, que se deitou sobre uma espécie de estrado infestado pelos pequenos roedores (“o pau dele estava meio duro, o que demonstra que ele não estava com medo”).
3. As situações imaginadas pela equipe – e, em especial, as traquitanas criadas por Bierrenbach – impressionam tanto pela originalidade quanto pela crueldade. O fóbico de pombos, por exemplo, vestiu um terno com pães presos ao tecido e enfiou-se em um cercado com aves famintas. O fóbico de anões foi amarrado em uma praia deserta com uma luneta presa a um dos olhos que o obrigou a encarar a lenta aproximação de um pequeno homem nu que terminou por agarrá-lo. A fóbica de cabelos foi colocada nua e besuntada de óleo diante de um ventilador que jogava fios em sua direção. A fóbica de agulhas teve um espelho preso a seu rosto que a obrigava a olhar para o teto, de onde desciam placas com enormes seringas em sua direção. E assim por diante.
4. Além de Goiffman, a presença mais impressionante em cena não é a de nenhum dos fóbicos, mas sim de Bernardet, o crítico e cineasta franco-brasileiro que escreveu ensaios fundamentais sobre o cinema nacional, como Cineastas e imagens do povo, e roteirizou filmes importantes como O caso dos irmãos Naves e Um céu de estrelas. Com problemas de visão que podem levá-lo à cegueira, ele aparece tomando uma aflitiva injeção no olho. Seu drama é criar imagens marcantes o suficiente para que possam ser guardadas na memória após a perda da visão. Bernardet, o personagem, tem muito de Bernardet, o homem. Mas é exatamente igual a ele. O crítico deu o nome de “autoficção” a esse tipo de trabalho.
Ao ser questionado sobre as motivações para fazer um filme com tantas implicações pessoais para os envolvidos e que poderá ser visto por alguns como sadomasoquista, Goiffman responde: “Uma das razões eu só descobri durante o teste de um ator. Ele disse: ‘A fobia me atrapalhou a vida inteira. O filme é uma forma de fazer algo de útil com ela’. Isso também vale para mim, com toda certeza. Além disso, o tema da fobia me interessa porque é essencial para pensar o mundo contemporâneo. Nós vivemos em ambientes extremamente fóbicos, em espaços cada vez mais hostis para os seres humanos. Conheço muita gente que é fóbica ou tem síndrome do pânico ou simplesmente vive angustiada. E, por fim, eu gostaria de entender o medo como um instrumento de dominação política. Nós podemos entender algumas sociedades, como a americana ou mesmo a brasileira, a partir desse temor irracional da violência”.
“O tema da fobia é essencial para pensar o mundo contemporâneo. Nós vivemos em ambientes extremamente fóbicos”
Fonte: Revista Wipp.
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